Karin C. Siqueira
Katiani da Conceição
Mirian Buss Gonçalves
Universidade Federal de Santa Catarina
Departamento de Matemática
Grupo de Estudos em Inteligência Artificial Aplicada à
Matemática
Fone: 331 9558 ramal 306
88040-900 – Florianópolis – SC
RESUMO
O artigo descreve o desenvolvimento do IEDer, um protótipo de Sistema Especialista Educacional que auxilia na introdução do conceito de Derivada de funções de uma variável. Esse foi desenvolvido pelas autoras do artigo, no contexto do GEIAAM – Grupo de Estudos em Inteligência Artificial Aplicada à Matemática na Universidade Federal de Santa Catarina. Além disso, é relatado no final do presente artigo uma experiência em sala de aula, com o intuito de verificar sua eficiência e corrigir possíveis erros. São por fim apresentados os resultados e conclusões dessa experiência.
PALAVRAS – CHAVE: Software Educacional, Ensino de Cálculo, Experimentação e Inteligência Artificial.
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, vem-se questionando a respeito do ensino de
Matemática. Variadas motivações têm determinado
esta discussão (Paladini, et al. 1995). O primeiro contato em relação
aos conceitos do Cálculo é feito, na maioria das vezes, depois
do ingresso à Universidade. Conceitos como Limite e Derivada são
bastante complexos e exigem um certo grau de abstração para
serem compreendidos. Aulas exclusivamente expositivas no quadro negro podem
tornar esses conteúdos cansativos e desmotivar os alunos no estudo
do conteúdo. Com isso, muitos alunos não acompanham o desenvolvimento
das aulas e até vêm a abandonar a disciplina. Por exemplo,
na Universidade Federal de Santa Catarina existe um amplo questionamento
dos cursos de Ciências Tecnológicas, em especial das Engenharias,
em relação ao número de reprovações
nas primeiras disciplinas de Cálculo.
A expectativa de se usar recursos computacionais em aulas de
Matemática é grande, tanto por parte dos professores quanto
dos alunos. Assim, convive-se, no momento, com uma nova realidade: a crença
por parte de alguns professores de que a tecnologia computacional possa
revolucionar ou pelo menos alterar os métodos de ensino da Matemática
(Maçada, et al. 1995) e a motivação dos alunos para
usar o computador no processo de ensino-aprendizagem.
Segundo Pelgrum & Plomp (1993) um fator muito importante
na implementação de mudanças como a introdução
de computadores em aulas de Matemática é a clareza de objetivos
e significados. Fullan & Stiegelbawer, op. cit. Pelgrum & Plomp
(1993), argumentam que “Mudanças não especificadas e obscuras
podem causar grande ansiedade e frustração para aqueles que
tentam realmente implementá-las”. Assim, é importante que
software educacionais sejam ergonomicamente desenvolvidos e associados
a propostas pedagógicas que contemplem a relação professor-aluno-computador,
sempre visando a meta maior que é a melhoria da qualidade do ensino.
O presente artigo insere-se neste contexto, apresentando uma
pequena contribuição para o efetivo uso do computador no
ensino de Cálculo.
2. SUPORTE CONCEITUAL DO IEDer
Atualmente, tem-se uma sociedade flexível e competitiva
nas demandas profissionais e culturais dos cidadãos. Na área
escolar, os professores, tanto do ensino médio quanto do ciclo básico
universitário, precisam tornar seus alunos pessoas capazes de enfrentar
situações e contextos variáveis. Com isso, eles estarão,
previsivelmente, em melhores condições de se adaptarem às
mudanças sociais, culturais, tecnológicas e profissionais
que o terceiro milênio lhes proporcionará.
Os avanços tecnológicos, principalmente o computador,
vêm desempenhando um papel importante para a aprendizagem. O computador
pode ser um novo e fascinante veículo de expansão do
pensamento e da criatividade. Software educacionais são desenvolvidos
para, de alguma forma, dar suporte ao aprendizado. Evidentemente o design
do software deve levar em conta a maneira que os estudantes aprendem e
também proporcionar boa usabilidade para que as interações
dos estudantes com o software sejam tão naturais e intuitivas quanto
possível (Squires & Preece, 1996).
Com interesse de desenvolver um software educacional com qualidade
e tornar o processo ensino-aprendizagem atrativo e eficiente, verificou-se
que a Inteligência Artificial (IA) reúne um conjunto de ferramentas
e estratégias que possibilita alcançar os objetivos desejados.
A IA é um ramo da computação que foi construído
a partir de idéias filosóficas, científicas e tecnológicas
herdadas de outras ciências como, por exemplo, da lógica (Bittencourt,
1996). Rich (1988) define IA da seguinte maneira: “o estudo de como fazer
os computadores realizarem tarefas nas quais, atualmente, as pessoas são
melhores”. O objetivo geral é criar teorias e modelos para a capacidade
cognitiva.
Rabuske (1995) discute as principais aplicações
da IA. Ele destaca: Processamento de Linguagem Natural, Reconhecimento
de Padrões, Robótica, Base de Dados Inteligentes, Prova de
Teoremas, Jogos e Sistemas Especialistas (SE).
Estes últimos constituem a maior área de pesquisa
da IA. Desde a década de 70 os SE estão sendo usados em diversas
áreas do conhecimento. Sua característica principal é
a base de conhecimento que se refere ao domínio em que o problema
se insere. Esta base de conhecimento é repassada ao computador por
especialistas que enriquecem o sistema com suas informações
especializadas; daí a necessidade do especialista no sistema (Flemming,
et al. 1996). Outra característica é que os SE devem ter
habilidade para aprender com a experiência e explicar o que
estão fazendo e por que o fazem. Esta característica distingui
os SE dos tradicionais sistemas de informação, além
de torná-los poderosas ferramentas de treino, tornando-se úteis
para a educação (Rabuske, 1995).
A interatividade dos usuários com os SE permite a realimentação
constante no contexto educacional. O software educacional apresentado nesse
artigo, possui algumas características dos SE, mas não pode
ser classificado essencialmente como tal. Como o software procura simular
o comportamento de um professor (especialista) ao repassar o conteúdo
para os estudantes, o denominamos de “Sistema Especialista Educacional”.
O IEDer foi desenvolvido numa ferramenta própria para
a construção de SE, denominada shell KAPPA, com uma base
de conhecimento estruturada por funções programadas na linguagem
Kal (linguagem embutida na shell). Tentou-se elaborar o software com telas
coloridas e interativas, permitindo ao aluno/usuário administrar
e encaminhar a sua aprendizagem.
3. O SOFTWARE EDUCACIONAL IEDer
3.1 Objetivo: Servir de instrumento para auxiliar na aprendizagem do conteúdo Derivada. Através da interação com o mesmo, o aluno/usuário terá uma introdução ao estudo de Derivada.
3.2 Estrutura: A figura 1, abaixo, apresenta uma estrutura básica com o módulo principal de navegação do software que é o “Desenvolvimento”. É importante ressaltar que ela proporcionará apenas uma visão geral do IEDer. O aluno/usuário tem sempre a opção de “continuar”, “voltar” e “sair”.
Figura 1: Estrutura do módulo Desenvolvimento
O software IEDer foi desenvolvido em dois módulos: o módulo
“Desenvolvimento” e o módulo “Um Pouco de História”.
O aluno/usuário inicialmente opta por um deles. O módulo
“Um Pouco de História” apresenta uma breve biografia de Leibniz
e Newton, considerados os “pais” do Cálculo.
O módulo “Desenvolvimento” (observar figura 1) foi dividido
em dois ramos, sendo eles “Reta Tangente à Curva” e “Velocidade
Instantânea”. Ao navegar no ramo escolhido o aluno/usuário
encontra telas com textos explicativos, figuras ilustrando os casos de
acordo com o texto, perguntas que devem ser respondidas através
de alternativas, mensagens de erro de forma clara e informativa, direcionando-os
para um mesmo ponto, “Alternativa”. Neste ponto é sugerido ao aluno
navegar pelos dois ramos. Em seguida, é apresentada a definição
da Derivada.
Por fim, é apresentado ao aluno/usuário dois exemplos
(um referente à Inclinação da Reta Tangente e outro
à Velocidade Instantânea), dando oportunidade de escolha,
dependendo da curiosidade ou interesse do aluno/usuário. Após
a resolução, ele pode checar as suas respostas, constatando
ou não a aprendizagem.
3.3 Proposta de utilização do IEDer em sala de aula:
A
educação é um processo contínuo na vida do
indivíduo, necessária para que este mantenha-se em sintonia
com a realidade.
Atualmente, o computador é considerado uma ferramenta
útil no processo ensino-aprendizagem. Mas Valente (1995), citado
por Paladini et al. (1997), salienta que não basta usar o computador
como meio de passar a informação ao aluno, deve-se usar o
computador de tal forma que o aluno construa o seu conhecimento. Com base
na Teoria Construtivista de Piaget, realçada por Papert (1994) que
diz “o conhecimento simplesmente não pode ser ‘transmitido’ ou ‘transferido
pronto’ para uma outra pessoa”, apresenta-se a seguir uma proposta para
o uso do software educacional IEDer.
Para a utilização do software IEDer em sala de
aula, julga-se importante, inicialmente, a apresentação dos
objetivos da aula e “negociar” com o aluno para que ele se comprometa na
compreensão da situação colocada. Esta “negociação”
pode ser feita no início e no decorrer das atividades.
Os objetivos devem ser claros aos alunos para que, ao interagirem
com IEDer, possam perceber se estão ou não alcançando-os.
O professor intervirá o menos possível no alcance de tais
objetivos.
A ajuda do professor deve ser dosada, permitindo aos alunos navegar
livremente no IEDer. Cabe ao professor observar e, se necessário,
orientar.
Segundo Bellemain e Capponi (1992), op. cit. Gonçalves
(1996), é importante que o aluno seja capaz de identificar e interpretar
situações problema. No entanto, não se pode esperar
que ele sempre repare e interprete corretamente suas ações,
podendo haver a intervenção do professor para corrigir uma
interpretação errônea. O aluno também deve aceitar
a responsabilidade de buscar o caminho.
O professor deve conduzir o estudante a tomar uma decisão
quando este está inseguro. Nas aulas, o professor deve estar
atento às atividades dos alunos, confirmando, insistindo ou ajudando-o
a tomar decisões.
Após estas etapas, exposição dos objetivos
e a livre navegação pelo sistema por parte dos alunos, com
a interferência do professor, se necessária, entra-se na fase
da institucionalização do conhecimento, onde o professor
identifica, entre os ‘saber’ e os ‘saber-fazer’ que aparecem, aqueles que
constituem novos conhecimentos.”(Bellemain e Capponi 1992, op. cit. Gonçalves,
1996)
No caso do IEDer, na fase da institucionalização,
o professor resgata dos alunos o entendimento sobre o conceito de Derivada.
Dependendo dos resultados o professor simplesmente frisa, reforça,
clareia a noção de Derivada. Caso contrário, isto
é, se alguma deficiência for apresentada, cabe ao professor
retomar o conceito e explicar. O resgate pode ser feito no ambiente lápis/papel,
quadro negro etc.
O IEDer também oferece exemplos e exercícios que
podem ser feitos no ambiente lápis/papel e conferidos no ambiente
computador. Esta relação permite ao aluno uma familiarização
entre os dois ambientes e a solidificação de sua aprendizagem.
Em suma, é importante que o professor possa explorar novas
idéias, fazendo com que os alunos assumam a posse de sua própria
aprendizagem. Quanto aos alunos, propõe-se que eles ativem a sua
criatividade e que fiquem mais independentes na construção
de seu conhecimento.
4. EXPERIÊNCIA E RESULTADOS
O IEDer foi aplicado na disciplina de Cálculo I, ministrada
pela professora Mirian Buss Gonçalves, no segundo semestre de 2000,
em uma turma de Licenciatura em Matemática, com 33 alunos, na Universidade
Federal de Santa Catarian. A experimentação do software foi
feita em um laboratório computacional, sendo que a maioria dos alunos
não conhecia o conteúdo Derivada. O primeiro contato dos
alunos com o IEDer foi nessa aula experimental.
Para a navegação no software foram dispensadas quaisquer
considerações iniciais de uso. O aluno simplesmente iniciou
sua navegação pelo software e começou os seus estudos.
Foi solicitado apenas que ele trabalhasse em paralelo com lápis
e papel realizando anotações de conteúdos e/ou resolvendo
os exercícios.
Após a navegação pelo IEDer que durou aproximadamente
2 horas, os alunos responderam um questionário de satisfação
elaborado e aplicado pelas autoras. O questionário estava dividido
em três seções: uma relacionada a Ergonomia, outra
ao uso e a última ao objetivo do IEDer. Além disso,
o professor tentou resgatar dos alunos a compreensão do conteúdo
Derivada através de um relatório.
A seguir apresentam-se os resultados obtidos com essa experimentação.
4.1 QUESTIONÁRIO DE SATISFAÇÃO
O questionário era composto por 15 questões; para
13 delas foram dadas quatro alternativas de resposta (Sim, Parcialmente
Sim, Parcialmente Não e Não); 1 tinha duas alternativas (Sim
e Não) e outra era de Múltipla Escolha.
Com relação à Ergonomia do software, os
alunos foram questionados quanto a clareza dos comandos, adequação
do vocabulário, facilidade de compreensão dos símbolos,
fontes adequadas, cores agradáveis, posicionamento e tamanho de
figuras satisfatórias. Com exceção do último
item, todos tiveram 100% de resposta Sim e Parcialmente Sim. Enquanto que
no último item obteve-se apenas 91% de aceitação.
Na seção do uso do IEDer, 82% dos alunos responderam
que tiveram nenhuma ou pouca dificuldade em navegar pelo software e, 94%
relataram que não foi preciso auxílio para a navegação.
Ainda nessa seção foi perguntado aos alunos se eles encontraram
algum erro no IEDer. Foram relatados apenas três erros de digitação,
que já foram corrigidos pelas autoras do software.
Por último, tem-se as considerações da seção
dos objetivos do IEDer. Todos os alunos disseram que de alguma forma o
software auxiliou na aprendizagem. Alguns alunos relataram que o
software aguçou o senso crítico na análise dos resultados
fornecidos pela máquina e também, que as estratégias
e recursos usados contribuíram para a compreensão do conteúdo.
Alguns alunos, num percentual de 39,4 %, argumentaram que foi necessário
o auxílio do professor para compreenderem o conteúdo estudado.
Quanto à questão de Múltipla Escolha, 21
alunos assinalaram que o software auxiliou na aprendizagem trazendo novos
conhecimentos, 10 assinalaram que o IEDer permitiu a fixação
do conteúdo e 8 que o mesmo possibilitou revisar o conteúdo.
Cabe aqui ressaltar que alguns alunos já tinham familiaridade
com o conceito de Derivada.
Um resultado satisfatório para as autoras, foi que 97%
dos alunos responderam que ao estudar Derivadas utilizando o IEDer se sentiram
motivados para aprofundar seus estudos.
4.2 RELATÓRIO DE AULA
O relatório possuía 3 perguntas específicas
que são: “O que é Derivada”, “Qual é a sua Interpretação
Geométrica” e “Qual é a sua Interpretação Física”.
O objetivo de fazer essas perguntas e pedir para que os alunos respondessem
é para tentar resgatar deles o entendimento sobre o conceito de
Derivada. Essa etapa chama-se de fase da institucionalização.
Além disso, o professor pediu para que os alunos resolvessem três
exercícios a seu critério.
Analisando-se as respostas fornecidas pelos alunos, percebeu-se
que a maioria compreendeu o conceito de Derivada, através da Interpretação
Geométrica e/ou Interpretação Física. Porém,
algumas respostas foram confusas ou incompletas, refletindo a necessidade
dos alunos de trabalharem mais esse conceito, haja vista que esse foi o
primeiro contato que tiveram com a Derivada.
Quanto aos exercícios resolvidos, a maioria dos alunos
acertou. Todavia, esse não é um resultado consistente, pois
poderiam ter copiado de livros, amigos ou até mesmo do IEDer sem
ter adquirido o conhecimento.
Ambas os resultados, tanto do Questionário de Satisfação
como do Relatório de Aula respondidos pelos alunos, mostram a viabilidade
do uso do IEDer e permitem esperar resultados ainda melhores do que esses
obtidos até o momento.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O IEDer é um software que pode contribuir para a construção
do conhecimento dos alunos. Além do mais, ele deve despertar nos
alunos sua capacidade de raciocínio, interesse, empenho, percepção
e motivação.
Ao utilizar o IEDer em sala de aula, são proporcionadas condições
favoráveis para o aluno aprender novos conceitos. O professor deve
estar atento às atividades desenvolvidas pelos alunos, ajudando-os
a tomar decisões, quando necessário.
Em geral, o computador tem um poder de fascínio sobre
os estudantes. Assim, a motivação de usar o computador é
um estímulo à aprendizagem. Com o uso do IEDer os alunos
podem dominar e compreender mais facilmente o conceito de Derivada.
Os resultados obtidos motivam efetivamente a usar este software
para introduzir o conceito de derivada em aulas de Cálculo. A experiência
realizada mostrou resultados encorajadores. Pode-se dizer que a proposta
dos pesquisadores do GEIAAM e dos autores do IEDer, ao estruturar este
software educacional voltado para uma parte específica do conteúdo,
mostra-se válida. A interação aluno-computador, mediada
pelo professor torna-se uma constante quando este software é usado.
Novos desafios deverão ser enfrentados, novas variáveis
deverão exigir criatividade e empenho para que sejam adequadamente
controladas. Os resultados até aqui obtidos, permitem acreditar
que será possível detectar novos meios, a partir das potencialidades
encontradas e outras que estruturar-se-ão, para garantir resultados
ainda melhores.
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