derradeira
quando eu vi nos seus olhos
que você ia embora
discretamente
segurei os seus seios com os dentes
pelo menos alguma carne ficaria
homem vivo
viva
em mim
uma mulher morta
talvez assim
renasça
uma mulher linda
e fique eu
um homem vivo
matemática do coração
2 pessoas brigando
e os corações cansados
se olhando meigamente
2 pessoas abraçadas
e os corações apáticos
1 pessoa indo embora
e o coração da outra tomando
fôlego
1 mulher apertando o coração do homem com os peitos
2 homens se olhando
e os corações de cada um
se olhando avidamente entre grades
1 homem olhando a paisagem
e o coração tranqüilo
1 homem com o coração tapando
os olhos
prestes a cair num abismo
1 casal de amigos com os corações sorridentes
1 abraço com os corações
também abraçados
onde está minha gata?
ela saiu ontem à noite
curiosa por novidades
fiquei preocupado
ela tem perigosas peculiaridades
como aproximar-se de estranhos
decididamente
essa gata é de uma época de mais civilidade
de mais ternura
espero que ela tenha encontrado uma fada
ou um anjo
quero confiar que ternos seres
encontram sua eternidade no mundo bom de deus
não nas garras imorais da morte violenta
do horroroso mundo do mesmo deus
não quero sonhar com cães estraçalhando
homens apedrejando
mulheres envenenando
a minha linda gata
ontem falei com ela
vislumbrei-a perto da gamela de ração
antes de eu também sair à noite
para rezar
tristeza III
em dias de chuva
apareces cinza
em dias de sol
te escondes na minha voz
quando cantamos sós
um tango brando
desejando, suplicando
um abraço de pai
um beijo de mãe
imaginados num sorriso
num afago
num beijo vago
de um encontro
janelas
esse mistério do mundo
essa grande viagem pelo espaço dos
sentimentos
quanto mais profundos mais a viagem leva
tempo
e quando chega naquela lava quente
aquele magma macio e poderoso
frágil e assustador
um suspiro torna-se o vento detonador
do estremecimento das montanhas do peito
da torre dessa cidade que se chama eu
e os faróis que iluminam nosso ser
são inúteis na neblina
e na chuva torrencial
isolado o motorista ao volante
desesperado acende um cigarro
quando fuma
como se guiar no meio da bruma ?
as águas afogando
atolado
no escuro
vidros fechados
abafado
chora lá dentro e lá fora
e agora ?
esperando o fim se aquieta
e quando o fim não vem
e pouco a pouco a chuva estia
e por grande sorte o sol ilumina o dia
abre as janelas
os vidros perdem o embaçado
sacode as gotas dos cabelos
olha a cor da paisagem
e reinicia a viagem
psiu !
fui
psiu aqui
psiu acolá
fui-me no psiu
de todo mundo
psiu nos ouvidos
psiu na nuca
grande delícia
psiu nas pernas
sexo
psiu da humanidade
da multidão
ouvi milhares
sibilantes ou não
com gestos ou não
descarados
grandes
psius do meu corpo
dos meus sentimentos
que quando muito atento
descobre
que até o pensamento
tem seu próprio lugar
p'ra morar
psiu !
ser
andar belo
como um vôo de gaivota
atento
não cair do vôo
não tropeçar
os braços alçam o espaço
as pernas avançam na terra
o corpo todo anda
é tão difícil estar
em meu centro
é tão difícil calar
as vozes internas
superpostas
essa multidão dentro de mim
esses homens e mulheres
essas crianças e velhos
esses animais
minerais
essas plantas
todos querem sua vez
e a passagem é tão estreita
que às vezes sai um
aos tropeções
no meio do palco
aturdido
desequilibrado
assustado
tímido
ser
eis a resposta
vozes atrozes
essas vozes
que não querem me deixar
sentir o vento
que me impedem de gostar do outro
simplesmente
que me fazem sentir
rei
pobre
triste
dedo em riste
que me oprimem
reprimem
minam
dentro de mim
essas vozes atrozes
devem morrer
tempos de paz
taças de champanhe
vidros quebrados
paz
chamego, cafuné
cabelos arrancados
paz
jantar à luz de velas
indigestão
paz
risos desbragados
lagrimas frias ao vento
paz
palavras sábias
discussão
paz
amor
sexo a serviço
paz
esperança
quem me disse
que eu não vou conseguir alguém
que me ame e me respeite
até o fim dos nossos dias
tem razão nesse dia D
em que as baionetas do tempo
apontam infinitamente para mim
eu quero pertencer
à corrente do mundo
como cachorro, lambo os pés do meu dono
como gato, olho imensamente o fundo dos seus olhos
como pássaro, canto solitário por amor
como homem, reclamo a deus a injustiça do coração
espero então
nervosamente
o fim desse dia
talvez amanhã ...
uma nova visão
águia
troca de plumagem
águia
vai ser ave estranha
por um tempo
talvez voltes a voar
mais alto do que antes
desce das montanhas
voa baixo
sem ser à cata de alimento
mostra teu bico
tuas garras
tuas asas fortes
e o lenço levou ...
o choro acabou
o nariz escorrendo arrastou
para longe você
que pensou me esquecer
mas o lenço enxugou
o nariz escorrendo
e secou você
preferindo os mosquitos
e o beijo
que você não quer dar
e o teu corpo
que não quer se entregar
eu voltei
a perturbar você com os meus desejos
o meu beijo fora de hora
quando eu quis
e eu não segurei o meu impulso
e pedi para dividir contigo
o cobertor, o calor
com um velho amigo
você não quis
e fingiu dormir comigo um pouco
e depois saiu durante a noite
feito um louco
foi deitar na sala com os mosquitos
deixando de manhã
meu corpo todo a soluçar
de solidão, de abandono
um cão sem dono
um coração batendo brabo
sozinho na paixão
meu amor
eu pergunto se é sadio
teu amor
é fugaz como em um animal em cio
ao avesso
como os meus olhos revelam amor
você faz planos de voar
por essas mulheres casadas
em desamor
você quer um par normal
para depois na cama
mostrar-se ao avesso
humor de lua
falar contigo
é tão difícil
depois do amor
é quase um míssil
que precipício
existe entre nós
depois do prazer
de um dia a sós
o amor
por favor
no medo não dilua
na estrada
novamente estou eu
à beira da estrada
pedindo morada
às estrelas da noite
novamente o açoite do vento
apagando as pegadas
não há ninguém a seguir
todo lugar é lugar
e por todas as formas de amor
eu tenho que passar
novamente sou eu
a declarar
que a única pessoa que tenho
sou eu
espuma do rancor
não precisava ter ouvido aquilo
a visão não importava
viajaria por um túnel do tempo
até o último acontecimento de mesmo matiz
afinal tudo começa e recomeça infinitamente
enquanto no fundo do peito
a onda atinge as pedras
e a espuma do tancor se espalha
nada será como antes
o retorno à casa é melancólico
um fruto foi mordido
e a ferida oxida com o passar das horas
a poeira do tempo agarrou-se aos pés
um fio de cabelo desgarrou-se ...
mulher louca na chuva
tarde nas ruas escuras
nas pedras manchadas
aqui e ali marcas de sangue
e pequenas poças d'água
em todo lugar
a poeira preta dos automóveis
o brilho enferrujado das latas
a vagar uma louca
com as vestes rasgadas
um grande véu desbotado
uma gota suja desprende-se
e cai pelos lados do nariz
o céu está cinza
os olhares se aprofundam
uma poça distorce uma imagem
da boca de um modelo fotográfico
explosão única: a louca risca
um fósforo
Horror dos dias iguais
Sinto o teu horror dos dias iguais
Por que não crês no que te digo?
Eles parecem repetitivos
porque tu te frustras em urdir
o presente com teus desejos
e pouco experimentas o que o mundo te apresenta
Por que tu te esqueces dos teus filhos?
Por que não vês nos meus olhos
o desespero pela tua destruição?
A minha boca tem o gosto do teu cigarro
invasor do espaço das nossas almas em regozijo
O vinho que bebemos não foi para teu deleite
foi para te trazer à vida dos teus desvarios
como um choque elétrico
Por que desafias o teu amigo
a te proteger do mal que o mal reproduz?
Por que não encaras a sorte
como mais uma chance de ter o amor
como uma roupa justa ao corpo
e podermos, eu e tu, vesti-la?