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Medida de Lebesgue

Definição 1.2.1   Um intervalo em \ensuremath {\mathbb{R} ^n } é um conjunto da forma [a,b], (a,b], (a,b), [a,b) com $-\infty< a< +\infty$ $-\infty< b< +\infty$ ou da forma $(a,+\infty),$ $[a,+\infty),\ \ (-\infty, b],\ \ (-\infty, b)$ with $a\in \ensuremath {\mathbb{R} ^n } $ or finally $(-\infty, +\infty)$.

Denotaremos um tal intervalo por J. Por |J| queremos denotar o comprimento de J.

Definição 1.2.2   Um retângulo em Rn é um conjunto da forma

 \begin{displaymath}
Q=J_1\times J_2\times \cdots \times J_n
\end{displaymath} (1.1)

onde os Ji são intervalos.

O volume de Q, vol(Q), define-se como:

\begin{displaymath}{\rm vol}(Q)=\prod\limits_{i=1}^n \vert Ji\vert
\end{displaymath} (1.2)

Definição 1.2.3   A medida exterior ( ou medida exterior de Lebesgue) de um conjunto $S\subset$ ${\mathbb R}^n$ define-se como:

\begin{displaymath}\mathfrak{m} ^*(S):={\rm inf} \mathop{\pmb{\sum}}_i {\rm vol}(Q_i)
\end{displaymath} (1.3)

onde o ínfimo é tomado sobre todas as famílias finitas ou enumeráveis $\{Q_i\}$ de retângulos tais que $S\subset \bigcup\limits
_i Q_i$.

Teorema 1.2.1   São verdadeiras as assertivas:
1.
$B\supseteq A \:\Rightarrow \mathfrak{m} ^*(B)\ge \mathfrak{m} ^*(A)$
2.
$\mathfrak{m} ^*(\bigcup\limits_i A_i)\ge
\mathop{\pmb{\sum}}\limits_i \mathfrak{m} ^*(A_i)$
3.
$d(A,B)> 0\: \Rightarrow
\mathfrak{m} ^*(A\bigcup B)=\mathfrak{m} ^*(A)+\mathfrak{m} ^*(B)$
4.
Se Q é um retângulo, vol $(Q)=\mathfrak{m} ^*(Q)$

De (a), (b) e (c) decorre o seguinte Corolário que melhora a propriedade (c):

Corolário 1.2.1   Se $A\: B$ são subconjuntos de ${\mathbb R}^n$ então

\begin{displaymath}A\cap {\overline B}=\emptyset\: \Rightarrow \mathfrak{m} ^*(A\cup B)=
\mathfrak{m} ^*(A)+\mathfrak{m} ^*(B)
\end{displaymath}

Uma função $\phi :{\cal F}\mapsto \mathbb{R} ^n$ onde ${\cal F} \subset {\cal P}(\mathbb{R} ^n)$ é aditiva se vale

\begin{displaymath}\phi(A\cup B)=\phi(A)+\phi(B)
\end{displaymath}

sempre que $A\cap B=\emptyset$. Decorre do corolário que m* é aditiva sobre pares de conjuntos disjuntos se um deles é aberto ou fechado. Daremos agora um exemplo de conjuntos disjuntos para os quais não vale a aditividade da medida exterior de Lebesgue:

Exemplo 1.1   Seja $T:[0,1]\to [0,1]$ definida por

\begin{displaymath}T(x)=(x+\alpha)\:\pmod{\mathbb{Z} }.
\end{displaymath}

onde $\alpha\in \mathbb{R} -\mathbb{Q} $. Observe que T é uma bijeção . Uma órbita de T é um conjunto da forma $\{T^n(x)\,;\,n\in \mathbb{Z}\}$ onde $x\in [0,1]$. Duas órbitas são disjuntas ou coincidem. O conjunto das órbitas forma, pois uma partição de [0,1]. Seja A0 o conjunto obtido pela escolha de um ponto em cada órbita de T. Observe que estamos usando aqui o axioma da escolha. De fato este exemplo não pode ser construido sem o axioma da escolha.

Afirmação 1. Se $i\ne j$ $T^j(A_0)\cap T^i(A_0)=\emptyset$.

Prova: Se $x\in T^j(A_0)\cap T^i(A_0)$ então x=Tj(y)=Ti(z) with $y,\,z\in A_0$. Mas então y=T-j(x) and z=T-i(x). Suponhamos sem perda de generalidade que x>y. Então existe $k\in \, \mathbb{N} $ tal que i=j+k. Segue que

Tk(z)=Tk(T-j-k(x))=T-j(x)=y

isto é y pertence à órbita de z e $y\ne z$, o que é uma contradição.

Afirmação 2. $[0,1]=\bigcup\limits_{j=-\infty}^{\infty}
T^j(A_0).$

Seja $x\in [0,1]$. Então, x pertence a alguma órbita de T. Seja $x_0\in A_0$ o elemento de A) nesta órbita. Então existe $k\in \mathbb{Z} $ tal que x=Tk(x0), isto é

\begin{displaymath}x\in \bigcup\limits_{j\in \mathbb{Z} } T^j(A_0)
\end{displaymath}

Afirmação 3. $\mathfrak{m} ^*(A_0)=\mathfrak{m} ^*(T^k(A_0)
\;\; \forall\, k$

Isto segue de que m* pode ser definida usando-se apenas intervalos que não contém o ponto $1-\alpha$. E para estes intervalos vale que $\mathfrak{m} ^*(J)=\mathfrak{m} ^*(T(J))$.


Se $\mathfrak{m} ^*(A\cup B)=\mathfrak{m} ^*(A)+\mathfrak{m} ^*(B)$ fosse válida para quaisquer $A,\;B\subset\, [0,1]$ disjuntos, então fazendo Aj=Tj(A0) teríamos

\begin{displaymath}1=\mathfrak{m} ^*([0,1])=\mathfrak{m} ^*(A_0)+
\mathfrak{m} ^*(\bigcup\limits_{j\ne 0}A_j)=
\end{displaymath}


\begin{displaymath}=m^*(A_0)+\mathfrak{m} ^*(A_{-1})+\mathfrak{m} ^*(A_1)+
\mathfrak{m} ^*(\bigcup\limits_{\vert j\vert\ge 2}(A_j)=
\end{displaymath}


\begin{displaymath}=\mathop{\pmb{\sum}}_{\vert j\vert\le k} m^*(A_j)+\mathfrak{m} ^*(\bigcup\limits_{\vert j\vert> k}
(A_j)=
\end{displaymath}


\begin{displaymath}=(k(k+1)+1) m*(A_0)+\mathfrak{m} ^*(\bigcup\limits_{\vert j\vert\ge k}(A_j)
\ge k(\mathfrak{m} ^*(A_0)
\end{displaymath}

Segue que $\mathfrak{m} ^*(A_0)\le 1/k\;\;\; \forall k$ , isto é , $\mathfrak{m} ^*(A_0)=0$. Mas, neste caso,

\begin{displaymath}1=\mathfrak{m} ^*([0,1])=\mathfrak{m} ^*(\bigcup\limits_{\ver...
...e
\mathop{\pmb{\sum}}_{j\in \mathbb{Z} } \mathfrak{m} ^*(A_j)
\end{displaymath}


\begin{displaymath}=\mathop{\pmb{\sum}}_{j\in \mathbb{Z} } \mathfrak{m} ^*(A_0)=0
\end{displaymath}

Deste modo vê-se que a medida exterior não é aditiva em $\boldsymbol{ \mathscr{P} }(\mathbb{R} ^n)$. O objetivo natural seria encontrar uma família de subconjuntos de ${\mathbb R}^n$ que contivesse os abertos e fechados (isto é a topologia) e para a qual $\mathfrak{m} ^*$ fosse aditiva. Além disto é também razoável procurar uma tal família de modo a ser fechada por uniões e interseções enumeráveis. Antes de passarmos a estudar este problema provemos o teorema 1.2.1

Na prova do teorema 1.2.1 usaremos o seguinte lema:

Lema 1.2.1   .  Para todo $E\subset \mathbb{R} ^n$ e $\delta>0$ vale:

\begin{displaymath}\mathfrak{m} ^*(E)=\inf\limits_\delta \mathop{\pmb{\sum}}\limits_i
\mbox{vol}(Q_i)
\end{displaymath}

onde $\inf\limits_\delta$ indica o ínfimo das somas a direita tomadas sobre todos os recobrimentos { $Q_i,\;\;i=1,2\ldots$} de E por famílias de retângulos com $\mbox{diam}(Q_i)<\delta$ para todo i.



\begin{proof}% latex2html id marker 240
[Prova.] Para provar este lema come\c ca...
...\le
\inf \:\mathop{\pmb{\sum}} _i \mbox{vol}( Q_i)
\end{displaymath}\end{proof}


\begin{proof}% latex2html id marker 296
[Prova do teorema~\ref{T:med.bpem}.]
(a...
...l}(Q_i)
\end{displaymath}\noindent como quer\'\i amos demonstrar.\\
\end{proof}

\begin{proof}% latex2html id marker 382
[Prova do Corol\'ario~\ref{C:med.tecn}]....
...\infty A_n$\space \ e usando a defini\c c\~ao dos $A_n$ 's
temos que
\end{proof}

Provados o teorema 1.2.1 e o corolário 1.2.1 continuamos na nossa busca de uma família de subconjuntos de ${\mathbb R}^n$ para a qual a medida exterior seja aditiva. Para tal introduzimos as seguintes definições estabelecidas essencialmente por Caratheodory.

Definição 1.2.4   Dizemos que $A\subset \mathbb{R} ^n$ separa o par $(A_1,\: A_2)$ se $A_1\subset
A,\
A_2\subset A^c$ e $\mathfrak{m} ^*(A_i)< +\infty\ i=1,2$.

Definição 1.2.5   Dizemos que $A\subset$ ${\mathbb R}^n$ é mensurável se

\begin{displaymath}\mathfrak{m} ^*(A_1\cup A_2)=\mathfrak{m} ^*(A_1)+\mathfrak{m} ^*(A_2)
\end{displaymath} (1.4)

para todo par (A1,A2) separado por A.


Teorema 1.2.2   (a). Todo fechado ou aberto é mensurável.
(b). A diferença de conjuntos mensuráveis é mensurável.
(c). As uniões enumeráveis de mensuráveis são mensurá-
veis.


Teorema 1.2.3   Se $A_i,\ i=1,2\ldots$ são mensuráveis e disjuntos, então

\begin{displaymath}\mathfrak{m} ^*\left(\bigcup\limits_i A_i\right)=\mathop{\pmb{\sum}}_i
\mathfrak{m} ^*(A_i)
\end{displaymath} (1.5)

A família de conjuntos mensuráveis denota-se $\boldsymbol{ \boldsymbol{ \mathscr{M} } }(\mathbb{R} ^n)$ e se, $A\in \boldsymbol{ \boldsymbol{ \mathscr{M} } }(\mathbb{R} ^n)$, sua medida exterior de Lebesgue denota-se m(A) e se denomina medida de Lebesgue de A. A família $\boldsymbol{ \boldsymbol{ \mathscr{M} } }(\mathbb{R} ^n)$ e a função $m:\boldsymbol{ \boldsymbol{ \mathscr{M} } }(\mathbb{R} ^n)\to [0,+\infty]$ são casos particulares do contexto mais geral dado pelas seguintes definições:

Definição 1.2.6   Seja X um conjunto. Uma família $\boldsymbol{ \mathscr{A} }$ de subconjuntos de X é uma $\sigma$-álgebra se satisfaz:
1.
$X\in \boldsymbol{ \mathscr{A} }$.
2.
$A,\:B\in \boldsymbol{ \mathscr{A} }
\Rightarrow A-B\in \boldsymbol{ \mathscr{A} }$.
3.
$A_I\in \boldsymbol{ \mathscr{A} },\: i=1,2,\ldots\Rightarrow
\bigcup\limits_i A_i\:
\boldsymbol{ \mathscr{A} }$.

Usando um raciocínio elementar podemos a partir destas propriedades obter as seguintes: $A\in \boldsymbol{ \mathscr{A} }\:\Rightarrow X-A=A^c\in
\boldsymbol{ \mathscr{A} }$ e que $A_i\in \boldsymbol{ \mathscr{A} },\:i=1,2\ldots
\Rightarrow\bigcap\limits_i A_i\in {\mathscr
A}$.

Definição 1.2.7   Seja $\boldsymbol{ \mathscr{A} }$ uma $\sigma$-álgebra em X. Uma função definida em $\boldsymbol{ \mathscr{A} }$ $\mu:
\boldsymbol{ \mathscr{A} } \mapsto [0,+\infty]$ é uma medida se para toda família $A_i\in \boldsymbol{ \mathscr{A} },\: i=1,2\ldots$ de conjuntos disjuntos vale

\begin{displaymath}\mu\left(\bigcup\limits_i A_i\right)=\mathop{\pmb{\sum}}_i\mu(A_i)
\end{displaymath}

Nesta linguagem $\boldsymbol{ \boldsymbol{ \mathscr{M} } }(\mathbb{R} ^n)$é uma $\sigma$-álgebra em ${\mathbb R}^n$ (pelo teorema 1.2.2 ) e $\mathfrak{m} :\boldsymbol{ \boldsymbol{ \mathscr{M} } }(\mathbb{R} ^n)\to
[0,+\infty]$ é uma medida (pelo teorema 1.2.3 ). Outra $\sigma$-álgebra fundamental é a $\sigma$-álgebra de Borel. Para defini-la introduzimos primeiro o conceito de $\sigma$-álgebra gerada por uma família de subconjuntos. Dada uma família $\ensuremath\boldsymbol{ \mathscr{A} } _0$ de subconjuntos de X, dizemos que $\ensuremath\boldsymbol{ \mathscr{A} } $ é a $\sigma$-álgebra gerada por $\ensuremath\boldsymbol{ \mathscr{A} } _0$se é a menor $\sigma$-álgebra que contém $\ensuremath\boldsymbol{ \mathscr{A} } _0$ ; mais precisamente, se $\ensuremath\boldsymbol{ \mathscr{A} } $ é uma $\sigma$-álgebra e $\ensuremath\boldsymbol{ \mathscr{A} } \subset \ensuremath\boldsymbol{ \mathscr{A} } _1$ para toda $\sigma$-álgebra $\ensuremath\boldsymbol{ \mathscr{A} } _1$ tal que $\ensuremath\boldsymbol{ \mathscr{A} } _1\supset \ensuremath\boldsymbol{ \mathscr{A} } _0$. Que $\ensuremath\boldsymbol{ \mathscr{A} } _0$existe é trivial( basta tomar a interseção de todas as $\sigma$-álgebras em X que contém $\ensuremath\boldsymbol{ \mathscr{A} } _0$) e a unicidade segue da própria definição.

Definição 1.2.8   Definimos a $\sigma$-álgebra de Borel de ${\mathbb R}^n$, e denotamos por $\boldsymbol{ \mathscr{B} }(\mathbb{R} ^n)$, como aquela gerada pelos conjuntos fechados.

Como $\boldsymbol{ \mathscr{B} }(\mathbb{R} ^n)$ é uma $\sigma$-álgebra , ela contém todos os complementares dos fechados, isto é, os abertos. Observamos que a $\sigma$-álgebra gerada pelos abertos também é a de Borel, porque contém todos os complementares de abertos, isto é os fechados. Então, denotando-a por $\boldsymbol{ \mathscr{B} }^{'}$, resulta da definição de $\sigma$-álgebra gerada por, que $\boldsymbol{ \mathscr{B} }^{'}\supset \boldsymbol{ \mathscr{B} } (\mathbb{R} ^n)$. Além disso

$\boldsymbol{ \mathscr{B} }(\mathbb{R}^n)\subset \boldsymbol{ \boldsymbol{ \mathscr{M} } }
(\mathbb{R}^n)$

porque $\boldsymbol{ \boldsymbol{ \mathscr{M} } }(\mathbb{R} ^n)$ é uma $\sigma$-álgebra que contém todos os fechados, e estes geram $\boldsymbol{ \mathscr{B} }(\mathbb{R} ^n)$.

A relação "$\subset$" acima é estrita ( o que demonstraremos mais tarde), mas todo mensurável é uma união disjunta de um boreleano e um conjunto de medida zero.
\begin{proof}% latex2html id marker 566
[Prova do teorema~\ref{T:med.algp}]. Pra...
...i^{'}$\space est\~ao em
$\boldsymbol{ \mathscr{M} }(\mathbb{R} ^n).$\end{proof}

  \begin{proof}% latex2html id marker 718
[Prova do teorema~\ref{T:med.adtp}.] Pri...
...N$\space fazendo $N\to \infty$\space \ref{E:med.ine} est\'a
provado.
\end{proof}


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Aldrovando Azeredo Araujo
1998-03-19