1.4 BASE DE UM ESPAÇO VETORIAL

 

 

            Conforme vimos no exemplo 1.3.14 da subunidade anterior, dado um conjunto a = {v1, v2, ..., vn} de geradores de um espaço vetorial V, sempre é possível obter a partir deste um conjunto b que contenha um número mínimo de geradores de V. Tal conjunto b será formado pelos vetores de a que são l.i. Ao encontrarmos tais vetores teremos os alicerces de nosso espaço, ou seja, o espaço será formado a partir deles. Naturalmente, muitos são os conjuntos de vetores desse tipo e a tais conjuntos damos o nome de base.

 

1.4.1 Definição.

            Um conjunto {v1, v2, ..., vn} de vetores de um espaço vetorial V é uma base de V se:

            (i) {v1, v2, ..., vn} é l.i.

            (ii) [v1, v2, .., vn] = V

Nota. Existem espaços que não tem base finita como, base de Rn por exemplo, certos espaços de funções. Espaços com esta característica não serão objeto de estudo nessa disciplina.

 

1.4.2 Exemplo.

· V = R2, i = (1, 0) e j = (0, 1).

a = {i, j} é uma base de R2, conhecida como base canônica, pois

(i) a é l.i.

(ii) a gera o R2 (ver exemplo 1.3.8)

· V = R2, b = {(1, 1), (0, 1)} também é uma base de R2, pois

(i) Os vetores de b não são múltiplos, isto é, (1, 1) ¹ a (0, 1) para todo aÎ R; assim b é l.i.

(ii) Todo vetor v = (x, y) Î R2 pode ser escrito como combinação linear dos vetores (1, 1) e (0, 1). Vejamos como:

(x, y) = a (1, 1) + b (0, 1)

então .

Portanto v = x (1, 1) + (yx) (0, 1).¨

            Observemos que os escalares obtidos ao escrevermos v como combinação linear dos vetores de a são diferentes dos escalares obtidos quando v foi escrito como combinação linear dos vetores de b .

            Faremos uma interpretação geométrica deste fato no exemplo que segue.

 

1.4.3 Exemplo. Sejam a = {(1, 0), (0, 1)} e b = {(1, 1), (0, 1)} as bases do R2 citadas no exemplo anterior. Para v = (x, y) Î R2, temos:

(x, y) = x (1, 0) + y (0, 1)

e também

(x, y) = x (1, 1) + (yx) (0, 1)

            Tomando, como um caso particular, v = (3, 4) temos:

(3, 4) = 3 (1, 0) + 4 (0, 1)

e

(3, 4) = 3 (1, 1) + 1 (0, 1).

            O que isto significa ?

base4.gif (1611 bytes)

 

No caso de considerarmos a base

a = {i = (1, 0), j = (0, 1)} do R2,

temos que o vetor v é o resultante da soma

3i + 4j

e dizemos que em relação a base a , as coordenadas de v são 3 e 4.

 

 

 

 

base3.gif (1773 bytes)

 

Agora, se considerarmos a base

b = {v1 = (1, 1), v2 = (0, 1)} do R2,

temos o vetor v com resultante da soma

3v1 + 1v2

e dizemos que, em relação a base b , as coordenadas de v são 3 e 1.

 

 

 

            Observemos que a posição geométrica do vetor v independe da base que o "criou". No entanto, as suas coordenadas dependem do referencial adotado.

            Aproveitamos este exemplo para enunciar o teorema e a definição que seguem.

 

1.4.4 Teorema.

Fixada uma base b = {v1, v2, .., vn} de um espaço vetorial V, cada vetor v Î V se escreve de forma única como combinação linear dos vetores da base b , isto é, existem e são únicos os escalares a1, a2, ..., an, tal que

v = a1v1 + a2v2 + ... + anvn

Prova.

A prova deste teorema encontra-se na Propriedade 7, item 1.3.12.

 

1.4.5 Definição.

Os escalares a1, a2, .., an, que comparecem no teorema anterior, são chamados coordenadas de v em relação à base b . Usamos, como expressão dessa idéia, a notação

.

            que é lida do seguinte modo: as coordenadas do vetor v, em relação a base b, são a1, a2, ... e an.

 

1.4.6 Exemplo. No caso tratado no exemplo 1.4.3 temos .

1.4.7 Exemplo. O conjunto a = {(1, 0, 0), (0, 1, 0), (0, 0, 1)} = {i, j, k} é uma base de R3, conhecida como base canônica do R3, pois

(i) a é l.i pois

e

(ii) a gera o R3 pois todo vetor v = (x, y, z) Î R3 pode ser escrito na forma v = xi + yj + zk.

            Nesse caso, as coordenadas do vetor v são as próprias componentes e escrevemos .

            Se particularizarmos tomando v = (2, 3, – 1) temos

(2, 3, – 1) = 2(1, 0, 0) + 3(0, 1, 0) – 1(0, 0, 1)

escrevemos

[(2, 3, – 1)]a = .¨

 

1.4.8 Exemplo. O conjunto b = {(1, 2, 1), (– 1, 0, 1), (1, 2, 0)} é também uma base de R3. Para verificar, observemos que b é um conjunto de R3 que contém 3 vetores, assim, pela Propriedade 7 em 1.3.12, basta mostrar que b é l.i.

, de modo que b gera o R3.¨

 

1.4.9 Exemplo. Consideremos o mesmo vetor v = (2, 3, – 1) do exemplo 1.4.7 para encontrar [v]b . As coordenadas de v, em relação à base, serão dadas pelos números a, b e c que satisfazem a relação

(2, 3, – 1) = a (1, 2, 1) + b (– 1, 0, 1) + c (1, 2, 0).

Resolvendo o sistema aqui obtido temos (confira)

Então:

e

[(2, 3, –1)]b = .¨

Nota. Uma vez fixada uma base em um espaço, a ordem em que os vetores comparecem na base também fica fixada. Notem que se tomarmos a base b1 = {(– 1, 0, 1), (1, 2, 0), (1, 2, 1)} e v = (2, 3, – 1) temos:

e = ¹ [(2, 3, –1)]b.

Apesar das bases b e b1 diferirem apenas pela ordem dos vetores, as coordenadas de v na base b são diferentes das coordenadas de v na base b1. Por este motivo consideramos uma base como um conjunto ordenado de vetores.

 

1.4.10 Exemplo. O conjunto b2 = {(1, 2, 1), (– 1, 0, 1)} não é uma base de R3 pois sabemos que dois vetores l.i. geram um plano, de forma que a condição (ii) da definição de base não fica satisfeita.

No entanto, b2 é uma base do subespaço

W = {(x, y, z) / xy + z = 0} Ì R3.

Para sabermos como obter W podemos, por exemplo, proceder como no segundo exemplo da observação marc4.gif (72 bytes) da Propriedade 2, do item 1.3.12.

 

1.4.11 Exemplo. Para exibir uma base de W, partindo do conhecimento do subespaço W do exemplo anterior, retiramos dele um conjunto de geradores e selecionamos deste conjunto os vetores l.i.

Assim: W = {(yz, y, z) / y, z Î R}

e o seu vetor genérico, (yz, y, z), pode ser escrito como a combinação linear:

( yz, y, z) = y (1, 1, 0) + z (– 1, 0 , 1).

Com isso, temos que W = [(1, 1, 0), (– 1, 0, 1)] e sendo {(1, 1, 0), (– 1, 0, 1)} l.i, concluímos que

b3 = {(1, 1, 0), (– 1, 0, 1)}

é uma base de W.¨

Observemos que b3 ¹ b2, o que não é um problema, visto que existem infinitas bases de W. (b2 é a base do exemplo anterior). Outras bases para W podem ser obtidas atribuindo-se valores quaisquer para y e z, desde que y ¹ 0 ou z ¹ 0. Para complementar e enriquecer este exemplo, exibam outras duas bases b4 e b5 para W.

 

1.4.12 Exemplo. Uma base natural do espaço M22 é

.

Para mostrarmos que

é

também uma base de M22, podemos utilizar a propriedade 1 do item que segue.

 

1.4.13 Propriedade. Qualquer base de um espaço vetorial V tem sempre o mesmo número de elementos. Este número é chamado dimensão de V e denotado por dim V.

Voltando ao exemplo 1.4.12. Tendo na base b, 4 vetores, temos dim M22 = 4 e, pela propriedade acima, qualquer outra base de M22 deve conter 4         vetores. Obviamente os 4 vetores devem ser l.i. (condição (i) da definição de base) e gerar M22 (condição (ii)).                                    

A condição (ii) ficará automaticamente satisfeita ao provarmos que a condição (i) é verdadeira. Isto pode ser verificado escrevendo b1 na forma

b1 = {(1, – 1, 1, 1), (2, 1, 0, 1), (– 1, 2, 1, 0), (1, 2, 2, 1)}

e aplicando sobre b1 a Propriedade 7 do item 1.3.12, que, nesse caso, afirma o seguinte:

" Qualquer conjunto de 4 vetores l.i. em R4 gera o R4."

Assim, para mostrar que b1 é uma base de R4 (ou M22), basta provarmos que b1 é l.i. Deixamos isto a cargo do aluno.

De forma genérica, podemos enunciar a propriedade que segue.

 

1.4.14 Propriedade. Se dim V = n, então qualquer conjunto de V formado por n vetores l.i. é uma base de V.

Exemplo. Já vimos, no exemplo 1.3.6, que o espaço vetorial

P3 = {p(x) / p(x) = a .1 + b. x + c. x2 + d. x3},

é gerado pelos vetores 1, x, x2, x3.

Relacionando estes vetores com as quádruplas ordenadas (1, 0, 0, 0), (0, 1, 0, 0), (0, 0, 1, 0) e (0, 0, 0, 1) vemos que os mesmos são l.i. assim,

{1, x, x2, x3}

é uma base de P3 e dim P3 = 4.

Tomemos, agora, um conjunto

a = {2 + 3x, – 1 + 2x – x3, 3x2 + 2x3, 3 – 4x3}

de vetores de P3. Para verificar se a é também uma base de P3 basta verificar a dependência ou independência linear dos vetores de a , pois sendo dim P3 = 4, qualquer outro conjunto de P3 formado por 4 vetores l.i. é também uma base de P3.

No exemplo 1.3.15(b) verificamos que a é l.i e, portanto, a é uma base de P3.¨

 

1.4.15 Mudança de Base.

            Muitos problemas complicados podem ser simplificados mudando-se de um sistema de coordenadas para outro. Mudar o sistema de coordenadas em um espaço vetorial é, essencialmente, a mesma coisa que mudar de base. No caso de um problema em que um corpo se move no plano xOy, cuja trajetória é uma elipse de equação

x2 + xy + y2 –3 = 0 (figura (a))

a descrição do movimento torna-se muito simplificada se ao invés de trabalharmos com o referencial determinado pela base formada por
i = (1, 0) e j = (0, 1), utilizamos um referencial que se apoia nos eixos principais da elipse, sendo este determinado pela base {v
1, v2}. Neste novo referencial, a equação da trajetória será mais simples:

3x12 + 2y12 = 6 (figura (b))

 

            Numa situação desse tipo, temos duas questões a responder:

            Como escolher o novo referencial ?

            Uma vez escolhido, qual a relação entre as coordenadas de um ponto (ou vetor) no antigo referencial (definido por uma base) e suas coordenadas no novo (definido por outra base) ?

            A primeira questão envolve conteúdos ainda não desenvolvidos e será respondida em outro momento. Agora, veremos como solucionar a segunda questão, ou seja, dadas duas bases a e b de um espaço vetorial V, pretende-se estabelecer a relação entre as coordenadas de um vetor v em relação à base a ([v]a ) e as coordenadas do mesmo vetor em relação à base b ([v]b ). Para facilitar, consideraremos o caso em que dim V = 2. O problema para espaços vetoriais de dimensão n é análogo.

Sejam a = {v1, v2} e b = {w1, w2} duas bases de V. Dado um vetor v Î V, este será combinação linear dos vetores das bases a e b :

v = x1v1 + x2v2 ou [v]a =                                                                                                (1)

e

v = y1w1 + y2w2 ou [v]b = .                                                                                             (2)

Por outro lado, sendo b uma base de V, podemos escrever cada vetor da base a como combinação linear dos vetores da base b . Assim:

.                                                                                                         (3)

Substituindo (3) em (1) temos:

v = x1 (a11w1 + a21w2) + x2 (a12w1 + a22w2)

ou

v = (a11x1 + a12x2) w1 + (a21x1 + a22x2) w2.                                                                                      (4)

Comparando as igualdades (4) e (2) e lembrando que as coordenadas de um vetor em relação a uma base são únicas, temos:

ou na forma matricial,

.                                                                                                   (5)

Fazendo

,

a equação matricial (5) pode ser escrita assim:

.                                                                                                        (6)

A finalidade da matriz , chamada matriz de mudança de base de a para b , é transformar as coordenadas de um vetor qualquer v, na base a , em coordenadas do mesmo v, na base b .

Se quisermos transformar [v]b em [v]a , multiplicamos, à esquerda, ambos os membros da equação (6) pela inversa da matriz , que fornece

ou

,

de onde observamos que .¨

Nota. Observamos que cada coluna da matriz é o vetor das coordenadas do correspondente vetor da base a , em relação a base b .

Para o caso das bases a = {v1, v2} e b = {w1, w2} temos

 

Exemplo 1. Sendo a = {(1, 3), (1, – 2)} e b = {(3, 5), (1, 2)} bases de R2, a matriz é determinada da seguinte forma:

1o) Escrevendo cada vetor de a como combinação linear dos vetores de b , temos

(1, 3 ) = a (3, 5) + b (1, 2) e

(1, – 2) = c (3, 5) + d (1, 2),

assim a matriz mudança de base de a para b será

2o) Resolvendo as equações acima obtemos a = – 1, b = 4, c = 2 e d = – 6, de modo que

.¨

Conhecida a matriz podemos obter por uma das formas:

Escrevendo cada vetor da base b como combinação linear dos vetores de a e procedendo como acima.

Achamos a matriz inversa da matriz .

Por qualquer uma das formas obtemos:

.

 

Exemplo 2. Sabendo que [v]a = , calcular [v]b , onde a e b são as bases do exemplo anterior.

[v]b = [v]a

Então,

[v]b = .¨

Como exercício, considere [v]b = e encontre, usando , as coordenadas de v em relação à base a .

 

Exemplo 3. Se a = {(1, 0), (0, 1)} e b = {(1, – 2), (1, 2)} são as bases agora consideradas, então ou seja, as colunas da matriz são formadas pelos componentes dos vetores da base b .

Confirme esse fato, procedendo como no exemplo 1 anterior.

 

Exemplo 4. Consideremos H o conjunto de todos os vetores da forma (a – 3b, ba, a, b), onde a e b são escalares arbitrários. Isto é,

H = {(a – 3b, b a, a, b); a, b Î R}.

 

· Verifiquemos que H é subespaço do R4.

Sejam u = (a – 3b, ba, a, b), v = (c – 3d, dc, c, d) elementos de H e a Î R.

0 = (0, 0, 0, 0) Î H;

u + v = (a + c – 3(b + d), (b + d) – (a + c), a + c, b + d) Î H;

a u = (a a – 3a b, a ba a, a a, a b) Î H.

· Encontremos duas bases b1 e b2 de H.

(a – 3b, ba, a, b) = a(1, – 1, 1, 0) + b(– 3, 1, 0, 1)

\ H = [(1, – 1, 1, 0), (– 3, 1, 0, 1)]

Como {(1, – 1, 1, 0), (– 3, 1, 0, 1)} é l.i. temos que b1 pode ser, por exemplo, esse conjunto.

Para obter outra base de H basta tomar outros dois quaisquer vetores, l.i., de H. Para isso, na expressão do vetor genérico de H, vamos escolher a = – 2 e b = 0 e depois a = 0 e b = –1 temos assim

b2 = {(– 2, 2, – 2, 0), (3, – 1, 0, – 1)}.

· Tomando o vetor u = (0, 2, – 3, – 1) de H, vamos escrever as coordenadas de u, primeiro em relação a b1 e depois em relação a b2. Escrevendo u como combinação linear dos vetores de b temos

(0, 2, – 3, – 1) = r(1, – 1, 1, 0) + s(– 3, 1, 0, 1) Þ .

\ .

Do mesmo modo, encontramos as coordenadas de u em relação a base b2.

(0, 2, – 3, – 1) = p(– 2, 2, – 2, 0) + q(3, – 1, 0, – 1) Þ .

\ .

· Determinemos um vetor h Î H, conhecidas as suas coordenadas em relação a alguma base de H, digamos ser .

significa que h é o vetor de H obtido pela seguinte combinação linear:

h = – 2(– 2, 2, – 2, 0) + 4(3, – 1, 0, – 1)

ou seja,

h = (16, – 8, 4, – 4).

· Vamos encontrar a matriz mudança de base

b1 = {v1 = (1, – 1, 1, 0), v2 = (– 3, 1, 0, 1)} para b2 = {w1 = (– 2, 2, – 2, 0), w2 = (3, – 1, 0, – 1)}.

Será .

Obtendo :

(1, – 1, 1, 0) = x(– 2, 2, – 2, 0) + y(3, – 1, 0, – 1) Þ x = – ½ e y = 0

(– 3, 1, 0, 1) = z(– 2, 2, – 2, 0) + t(3, – 1, 0, –1) Þ z = 0 e t = – 1

\

· Conhecendo obtemos utilizando .

Primeiro, buscamos que pode ser como procedemos para obter ou invertendo . De qualquer modo temos:

.

Agora, calculamos :

.

· Buscando, novamente, h, conhecendo :

h = 4(1, – 1, 1, 0) – 4(– 3, 1, 0, 1)

h = (16, – 8, 4, – 4). ¨

 

Exercícios Ex Complementares Ex MATLAB Gabarito Próximo tópico

baseClique aqui para download deste material